Dr. Joel Beeke
A pietas de
 Calvino não subsistia à parte das Escrituras ou da igreja. Pelo 
contrário, era fundamentada na Palavra e nutrida na igreja. Embora 
tenha rompido com o absolutismo da Igreja de Roma, Calvino tinha um 
elevado ponto de vista sobre a igreja. "Se não preferimos a igreja a 
todos os outros objetos de nosso interesse, somos indignos de ser 
contados como membros da igreja", ele escreveu.
Agostinho
 dissera: "Aquele que se recusa a ter a igreja como sua mãe não pode ter
 a Deus como seu Pai”. Calvino acrescentou: "Não há outra maneira de 
entrarmos na vida, se esta mãe não nos conceber em seu ventre, der-nos à luz,
 alimentar-nos em seu seio e, por último, não nos manter sob os seus 
cuidados e orientação, até que, despidos desta carne mortal, nos 
tornemos como os anjos". À parte da igreja, há pouca esperança de perdão dos pecados ou salvação, Calvino escreveu. Sempre é desastroso deixar a igreja.1
Calvino
 ensinava que os crentes estão enxertados em Cristo e sua igreja, pois o
 crescimento espiritual ocorre na igreja. A igreja é a mãe, educadora e 
nutridora de todo crente, visto que o Espírito Santo age na igreja. Os 
crentes cultivam a piedade por meio do Espírito Santo mediante o 
ministério de ensino da igreja, progredindo da infância espiritual à 
adolescência e à maturidade em Cristo. Eles não se graduam na igreja 
enquanto não morrem.2 Essa educação vitalícia é oferecida 
numa atmosfera de piedade genuína, uma atmosfera na qual os crentes 
cuidam uns dos outros em submissão à liderança de Cristo.3 
Essa educação encoraja o desenvolvimento dos dons e do amor uns dos 
outros, uma vez que somos "constrangidos a receber dos outros".4
O crescimento
 na piedade é impossível sem a igreja, porque a piedade é fomentada pela
 comunhão dos santos. Na igreja, os crentes "se unem uns aos outros na 
distribuição mútua dos dons". 5 Cada membro tem o seu próprio lugar e dons para serem usados no corpo.6 Idealmente, todo o corpo usa esses dons em simetria e proporção, sempre reformando e desenvolvendo em direção à perfeição.7
A PIEDADE DA PALAVRA
A
 Palavra de Deus é central ao desenvolvimento da piedade no crente. A 
piedade genuína é uma "piedade da Palavra". O modelo relacional de 
Calvino explica como.
A
 verdadeira religião é um diálogo entre Deus e o homem. A parte do 
diálogo que Deus inicia é a revelação. Nisso, Deus vem ao nosso 
encontro, fala conosco e se nos torna conhecido na pregação da Palavra.
 A outra parte do diálogo é a resposta do homem à revelação de Deus. 
Essa resposta, que inclui confiança, adoração e temor reverente, é o que
 Calvino chama depietas. A pregação da Palavra nos salva e nos 
preserva, enquanto o Espírito nos capacita a apropriar-nos do sangue de
 Cristo e responder-Lhe com amor reverente. Por meio da pregação de 
homens dotados de poder pelo Espírito Santo, "a renovação dos santos se 
realiza, e o corpo de Cristo é edificado", disse Calvino.8
A
 pregação da Palavra é o nosso alimento espiritual e o remédio para 
nossa saúde espiritual. Com a bênção do Espírito, os pastores são 
médicos espirituais que aplicam a Palavra à nossa
 alma, assim como os médicos terrenos aplicam remédio ao nosso corpo. 
Com a Palavra, esses médicos espirituais diagnosticam, prescrevem 
remédios e curam doenças espirituais naqueles que estão contaminados 
pelo pecado e pela morte. A Palavra pregada é um instrumento para 
curar, limpar e tornar frutífera nossa alma propensa a enfermidades.9
 O Espírito, ou "o ministro interior", desenvolve a piedade usando o 
"ministro exterior" na pregação da Palavra. Conforme disse Calvino, o 
ministro exterior "proclama a palavra falada, e esta é recebida pelos 
ouvidos", mas o ministro interior "comunica verdadeiramente a coisa 
proclamada... que é Cristo".10
Para
 desenvolver a piedade, o Espírito usa não somente o evangelho para 
produzir fé no profundo da alma dos seus eleitos, como já vimos, mas 
também a lei. A lei promove a piedade de três maneiras:
1. A lei restringe o pecado e promove a justiça na igreja e na sociedade, impedindo que ambas cheguem ao caos.
2. A
 lei disciplina, educa, convence e nos move de nós mesmos para Jesus 
Cristo, o fim e o cumpridor da lei. A lei não pode nos levar a um 
conhecimento salvifico de Deus em Cristo. Pelo contrário, o Espírito 
Santo usa a lei como um espelho para nos mostrar nossa culpa, nos privar
 da esperança e trazer-nos ao arrependimento. Ela nos conduz à necessidade
 espiritual que gera a fé em Cristo. Esse uso convencedor da lei é 
essencial à piedade do crente, pois impede a manifestação da justiça 
própria, que é inclinada a se reafirmar até no mais piedoso dos santos.
3. A
 lei se torna a norma de vida para o crente. "Qual é a norma de vida que
 Deus nos outorgou?" Calvino pergunta no catecismo de Genebra. E 
responde: "A sua lei". Posteriormente, Calvino disse que a lei "mostra o
 alvo que devemos ter em vista, o objetivo que devemos perseguir; e que 
cada um de nós, de acordo com a medida de graça recebida, pode se 
esforçar para estruturar sua vida em harmonia com a mais elevada retidão
 e, por meio de estudo constante, avançar cada vez mais, 
ininterruptamente.¹¹
Calvino escreveu a respeito do terceiro uso da lei na primeira edição de suas Institutas: "Os
 crentes... se beneficiam da lei porque dela aprendem mais 
completamente, cada dia, qual é a vontade do Senhor... Isto é como se um
 servo, já preparado com total disposição de coração para se recomendar
 ao seu senhor, tivesse de descobrir e considerar os caminhos de seu 
senhor, para se conformar e se acomodar a estes. Além disso, embora 
sejam impulsionados pelo Espírito e mostrem-se dispostos a obedecer a 
Deus, os crentes ainda são fracos na carne e prefeririam servir ao 
pecado e não a Deus. Para a nossa carne, a lei é como uma chicotada em 
uma mula ociosa e obstinada, uma chicotada que a faz animar-se, 
levantar-se e dispor-se ao trabalho".¹²
Na última edição das Institutas (1559),
 Calvino é mais enfático a respeito de como os crentes se beneficiam da 
lei. Primeiramente, ele diz: "Este é o melhor instrumento para os 
crentes aprenderem mais completamente, a cada dia, a natureza da vontade
 do Senhor, a qual eles aspiram, e para confirmá-Los no entendimento 
dessa vontade". Em segundo, a lei faz o servo de Deus, "por meio de 
meditação freqüente, ser despertado à obediência,
 ser fortalecido na lei e restaurado de um caminho de transgressão". 
Calvino conclui que os santos devem prosseguir desta maneira, "pois o 
que seria menos amável do que a lei, com importunações e ameaças, 
atribular as almas com temor e as afligir com pavor?"¹³
O
 ponto de vista que considera a lei primariamente como um guia que 
estimula o crente a apegar-se a Deus e a obedecer-Lhe ilustra outra 
instância em que Calvino difere de Lutero. Para Lutero, a lei é 
primariamente negativa. Está ligada ao pecado, à morte e ao diabo. O 
interesse predominante de Lutero é o segundo uso da lei, o uso 
convencedor ― mesmo quando ele considerava o papel da lei na 
santificação. Por contraste, Calvino entendia a lei como uma expressão 
positiva da vontade de Deus. Como disse John Hesselink: "O ponto de 
vista de Calvino podia ser chamado de deuteronômico, porque ele entendia
 que o amor e a lei não são contrários, e sim correlatos".14
 Para Calvino, o crente segue a vontade de Deus, não motivado por 
obediência obrigatória, e sim por obediência agradecida. Sob a tutela do
 Espírito, a lei produz gratidão no crente; e esta conduz à obediência 
amorosa e à aversão ao pecado. Em outras palavras, para Lutero o 
propósito primordial da lei era ajudar o crente a reconhecer e 
confrontar o pecado. Para Calvino, o propósito primário da lei era levar
 o crente a servir a Deus motivado por amor.15
Dr. Joel Beeke
A pietas de
 Calvino não subsistia à parte das Escrituras ou da igreja. Pelo 
contrário, era fundamentada na Palavra e nutrida na igreja. Embora 
tenha rompido com o absolutismo da Igreja de Roma, Calvino tinha um 
elevado ponto de vista sobre a igreja. "Se não preferimos a igreja a 
todos os outros objetos de nosso interesse, somos indignos de ser 
contados como membros da igreja", ele escreveu.
Agostinho
 dissera: "Aquele que se recusa a ter a igreja como sua mãe não pode ter
 a Deus como seu Pai”. Calvino acrescentou: "Não há outra maneira de 
entrarmos na vida, se esta mãe não nos conceber em seu ventre, der-nos à luz,
 alimentar-nos em seu seio e, por último, não nos manter sob os seus 
cuidados e orientação, até que, despidos desta carne mortal, nos 
tornemos como os anjos". À parte da igreja, há pouca esperança de perdão dos pecados ou salvação, Calvino escreveu. Sempre é desastroso deixar a igreja.1
Calvino
 ensinava que os crentes estão enxertados em Cristo e sua igreja, pois o
 crescimento espiritual ocorre na igreja. A igreja é a mãe, educadora e 
nutridora de todo crente, visto que o Espírito Santo age na igreja. Os 
crentes cultivam a piedade por meio do Espírito Santo mediante o 
ministério de ensino da igreja, progredindo da infância espiritual à 
adolescência e à maturidade em Cristo. Eles não se graduam na igreja 
enquanto não morrem.2 Essa educação vitalícia é oferecida 
numa atmosfera de piedade genuína, uma atmosfera na qual os crentes 
cuidam uns dos outros em submissão à liderança de Cristo.3 
Essa educação encoraja o desenvolvimento dos dons e do amor uns dos 
outros, uma vez que somos "constrangidos a receber dos outros".4
O crescimento
 na piedade é impossível sem a igreja, porque a piedade é fomentada pela
 comunhão dos santos. Na igreja, os crentes "se unem uns aos outros na 
distribuição mútua dos dons". 5 Cada membro tem o seu próprio lugar e dons para serem usados no corpo.6 Idealmente, todo o corpo usa esses dons em simetria e proporção, sempre reformando e desenvolvendo em direção à perfeição.7
A PIEDADE DA PALAVRA
A
 Palavra de Deus é central ao desenvolvimento da piedade no crente. A 
piedade genuína é uma "piedade da Palavra". O modelo relacional de 
Calvino explica como.
A
 verdadeira religião é um diálogo entre Deus e o homem. A parte do 
diálogo que Deus inicia é a revelação. Nisso, Deus vem ao nosso 
encontro, fala conosco e se nos torna conhecido na pregação da Palavra.
 A outra parte do diálogo é a resposta do homem à revelação de Deus. 
Essa resposta, que inclui confiança, adoração e temor reverente, é o que
 Calvino chama depietas. A pregação da Palavra nos salva e nos 
preserva, enquanto o Espírito nos capacita a apropriar-nos do sangue de
 Cristo e responder-Lhe com amor reverente. Por meio da pregação de 
homens dotados de poder pelo Espírito Santo, "a renovação dos santos se 
realiza, e o corpo de Cristo é edificado", disse Calvino.8
A
 pregação da Palavra é o nosso alimento espiritual e o remédio para 
nossa saúde espiritual. Com a bênção do Espírito, os pastores são 
médicos espirituais que aplicam a Palavra à nossa
 alma, assim como os médicos terrenos aplicam remédio ao nosso corpo. 
Com a Palavra, esses médicos espirituais diagnosticam, prescrevem 
remédios e curam doenças espirituais naqueles que estão contaminados 
pelo pecado e pela morte. A Palavra pregada é um instrumento para 
curar, limpar e tornar frutífera nossa alma propensa a enfermidades.9
 O Espírito, ou "o ministro interior", desenvolve a piedade usando o 
"ministro exterior" na pregação da Palavra. Conforme disse Calvino, o 
ministro exterior "proclama a palavra falada, e esta é recebida pelos 
ouvidos", mas o ministro interior "comunica verdadeiramente a coisa 
proclamada... que é Cristo".10
Para
 desenvolver a piedade, o Espírito usa não somente o evangelho para 
produzir fé no profundo da alma dos seus eleitos, como já vimos, mas 
também a lei. A lei promove a piedade de três maneiras:
1. A lei restringe o pecado e promove a justiça na igreja e na sociedade, impedindo que ambas cheguem ao caos.
2. A
 lei disciplina, educa, convence e nos move de nós mesmos para Jesus 
Cristo, o fim e o cumpridor da lei. A lei não pode nos levar a um 
conhecimento salvifico de Deus em Cristo. Pelo contrário, o Espírito 
Santo usa a lei como um espelho para nos mostrar nossa culpa, nos privar
 da esperança e trazer-nos ao arrependimento. Ela nos conduz à necessidade
 espiritual que gera a fé em Cristo. Esse uso convencedor da lei é 
essencial à piedade do crente, pois impede a manifestação da justiça 
própria, que é inclinada a se reafirmar até no mais piedoso dos santos.
3. A
 lei se torna a norma de vida para o crente. "Qual é a norma de vida que
 Deus nos outorgou?" Calvino pergunta no catecismo de Genebra. E 
responde: "A sua lei". Posteriormente, Calvino disse que a lei "mostra o
 alvo que devemos ter em vista, o objetivo que devemos perseguir; e que 
cada um de nós, de acordo com a medida de graça recebida, pode se 
esforçar para estruturar sua vida em harmonia com a mais elevada retidão
 e, por meio de estudo constante, avançar cada vez mais, 
ininterruptamente.¹¹
Calvino escreveu a respeito do terceiro uso da lei na primeira edição de suas Institutas: "Os
 crentes... se beneficiam da lei porque dela aprendem mais 
completamente, cada dia, qual é a vontade do Senhor... Isto é como se um
 servo, já preparado com total disposição de coração para se recomendar
 ao seu senhor, tivesse de descobrir e considerar os caminhos de seu 
senhor, para se conformar e se acomodar a estes. Além disso, embora 
sejam impulsionados pelo Espírito e mostrem-se dispostos a obedecer a 
Deus, os crentes ainda são fracos na carne e prefeririam servir ao 
pecado e não a Deus. Para a nossa carne, a lei é como uma chicotada em 
uma mula ociosa e obstinada, uma chicotada que a faz animar-se, 
levantar-se e dispor-se ao trabalho".¹²
Na última edição das Institutas (1559),
 Calvino é mais enfático a respeito de como os crentes se beneficiam da 
lei. Primeiramente, ele diz: "Este é o melhor instrumento para os 
crentes aprenderem mais completamente, a cada dia, a natureza da vontade
 do Senhor, a qual eles aspiram, e para confirmá-Los no entendimento 
dessa vontade". Em segundo, a lei faz o servo de Deus, "por meio de 
meditação freqüente, ser despertado à obediência,
 ser fortalecido na lei e restaurado de um caminho de transgressão". 
Calvino conclui que os santos devem prosseguir desta maneira, "pois o 
que seria menos amável do que a lei, com importunações e ameaças, 
atribular as almas com temor e as afligir com pavor?"¹³
O
 ponto de vista que considera a lei primariamente como um guia que 
estimula o crente a apegar-se a Deus e a obedecer-Lhe ilustra outra 
instância em que Calvino difere de Lutero. Para Lutero, a lei é 
primariamente negativa. Está ligada ao pecado, à morte e ao diabo. O 
interesse predominante de Lutero é o segundo uso da lei, o uso 
convencedor ― mesmo quando ele considerava o papel da lei na 
santificação. Por contraste, Calvino entendia a lei como uma expressão 
positiva da vontade de Deus. Como disse John Hesselink: "O ponto de 
vista de Calvino podia ser chamado de deuteronômico, porque ele entendia
 que o amor e a lei não são contrários, e sim correlatos".14
 Para Calvino, o crente segue a vontade de Deus, não motivado por 
obediência obrigatória, e sim por obediência agradecida. Sob a tutela do
 Espírito, a lei produz gratidão no crente; e esta conduz à obediência 
amorosa e à aversão ao pecado. Em outras palavras, para Lutero o 
propósito primordial da lei era ajudar o crente a reconhecer e 
confrontar o pecado. Para Calvino, o propósito primário da lei era levar
 o crente a servir a Deus motivado por amor.15Resto do Post