A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço!

Martinho Lutero

16/11/2008

A Vitória de Barack Obama




Texto do Dom Robinson Cavalcanti


O “vício” de 32 anos lecionando Relações Internacionais me fez, mais uma vez, acompanhar (muitas vezes entediado), o longo processo das “primárias” da eleição presidencial norte-americana, sem nunca ouvir, de qualquer aspirante (e assim permaneceu até o final) qualquer referência a uma política para a América Latina, ou para os milhões de imigrantes latinos “indocumentados”. As amarras da cultura e dos sistemas (político, econômico, judiciário) engessam as alternativas. No final, porém, a crise econômico-financeira forçou uma maior nitidez entre os candidatos.

Tenho visitado aquele país por 42 anos, e acompanhado suas eleições desde adolescente. Conheci o velho sul com quatro sanitários nas rodoviárias (para homens e mulheres; pretos e brancos), fui aluno na UCLA (Los Angeles) no apogeu das lutas pelos direitos civis, e tive em Martin Luther King Jr. um dos meus heróis (há um pôster dele pregando “eu tive um sonho” em meu escritório). Agradeço ao editor Marcos Bontempo, por ter colocado “na prateleira” do site da Ultimado, um artigo escrito por mim há 20 anos, intitulado “Negro, Pastor, Herói”. Na véspera da eleição, estando em Paripueira, concedi uma entrevista de 20 minutos para a Rádio Folha FM, do Recife.

Por isso, passei longas horas indo da Foxnews para a CNN em inglês, da CNN em espanhol para a BBC internacional, para a CBN no rádio, ouvindo uma profusão de jornalistas e cientistas políticos, das mais variadas posições. Sou de uma geração que cresceu, sob a Constituição de 1946, vivenciando a liberdade de organização e expressão, que conheceu, no início, lindos anos de uma universidade viva, na busca de utopias libertárias para um mundo injusto, mas que veio a conhecer os “anos de chumbo” da repressão e da censura do regime militar. Escolhi a profissão-missão de professor universitário, para poder viver em uma atmosfera onde se podia respirar e aprender com a circulação de idéias, que eram apenas combatidas por outras idéias. Já se disse, ainda, que, “quando há quatro cientistas sociais, há cinco propostas...”.

Há eleições que mudam profundamente as estruturas de um país, e outras que são mais revoluções culturais, pela forte carga simbólica e catártica que encerram. No caso do Brasil, senti apenas contida alegria quando Lula foi eleito a primeira vez, porque estava consciente do seu abandono das bandeiras históricas, e feito as pazes “com os homens”, mas um caboclo retirante nordestino não portador de diploma de curso superior (nem inferior) chegar à Presidência da República trazia uma grande carga simbólica, com o rompimento de paradigmas-preconceitos. Depois o cara teve a sorte de uma conjuntura internacional favorável, e estatizou o paternalismo da periferia e dos grotões, esvaziando o poder dos “coronéis” municipais e regionais, o que já foi um grande avanço.

Há dezenas de partidos legais nos EUA, e, a cada eleição, aparecem candidatos “independentes” ou “alternativos”, mas, ao fim e ao cabo, fica a polarização entre os republicanos e os democratas, que têm mudado de ênfases ao longo da História. Hoje, o Partido Republicano é uma coalizão de capitalistas do leste, religiosos conservadores e habitantes individualistas das pequenas cidades, com uma agenda moral individual mais perto da ética cristã, mas com uma agenda social de um imperialismo unilateral, de redução dos direitos civis em nome da segurança e do combate ao terrorismo, além do direito de se andar armado e de se aplicar a pena de morte. O Partido Democrata é mais urbano, inclui os setores intelectuais e artísticos, uma gama de minorias religiosas, étnicas e culturais, mais cosmopolita, mais multilateralista, e, ao mesmo tempo, mais protecionista.

Entre os dois partidos há uma percentagem de eleitores independentes, que ora pende para um lado, ora pende para um outro. O desastre da gestão de Bush Jr. (apenas 20% de aprovação), com a ideologia neoconservadora do mercado livre, a síndrome do cowboy e uma face extremista, parece ter se esgotado. O Bontempo bem nos lembra que foi eleito um presidente e não um pastor ou um diácono, e que há pecado em cada partido. O povo norte-americano, em seu conjunto, continua voltado para si mesmo, com um mínimo de informações sobre o mundo lá fora (continuo afirmando que a minha língua materna não é o espanhol, nem a capital do Brasil é Buenos Aires...).

Desde a queda do Muro de Berlim (mesmo com as rachaduras do muro (wall street), há uma ordem imperial (por alguns considerada “benevolente”) norte-americana: cultural, econômica e militar. Todas as nações buscam em primeiro lugar os seus interesses, muito mais quando se trata de uma potência imperial. Não se pode esperar milagres de Obama para um mundo em crise, nem que prejudique os seus interesses, mas os efeitos de uma oxigenação na atmosfera cultural do mundo, e alguma medida de multilateralismo, isso sim, creio que iremos ver. O Brasil e os chamados “países emergentes” que busquem maximizar os seus ganhos na nova conjuntura.

O velho pensador católico romano Alceu do Amoroso Lima nos falava de um mundo polarizado entre uma busca pela justiça social à custa da liberdade e um mundo que pretensamente buscava a liberdade à custa da justiça social. O Comunismo se foi, falta, ainda, o Capitalismo ser substituído por um sistema econômico solidário, com o empoderamento de todos os cidadãos.

Winston Churchill, que presidiu um gabinete de unidade nacional durante a Segunda Guerra Mundial, afirmou que: “A Democracia é o pior dos regimes, salvos todos os demais”. Emblemático é que Churchill era chegado a um whisky, não largava o seu charuto, e não foi um modelo de castidade. Enquanto isso, o seu oponente, Adolf Hitler, não fumava, não bebia, era monógamo e vegetariano (podia até se qualificar para a igreja adventista...). Churchill, depois da guerra, e de muitos comícios ralos, não foi reeleito. Hitler arrastava multidões nas paradas de Nuremberg. Fica o julgamento da História para quem foi um estadista.

Em Pernambuco, dos anos 1950, o governador Agamenon Magalhães era proprietário de um jornal, que, obviamente, defendia o seu governo. Todas as manhãs, porém, tomava o seu desjejum lendo o jornal da oposição, PARA conhecer os seus críticos e suas alternativas, o que, em decorrência, o tornava um melhor administrador. Por isso, por um tempo, fui assinante do jornal do Vaticano (Ossevatore Romano) e o do Partido Comunista (Voz da Unidade)...



A Democracia política, sem dúvida, foi revigorada com a eleição de Obama. O que precisamos avançar, em todo o mundo, é com uma democracia, também, social e econômica. No fundo a Democracia é um pacto social de convivência entre pessoas e grupos diversos, sob o império da lei (Estado de Direito), sem que haja privilégios ou perseguições, embora o preconceito, o ódio, e a exploração não possam ser erradicados do coração humano senão pelo milagre vindo do céu, o qual tem em nós cristãos a possibilidade do novo homem, que se torna, inclusive, um cidadão mais responsável.

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