A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço!

Martinho Lutero

23/04/2009

A Ciência como auxiliar da Fé



Por Tiago Chiavegatti


O conhecimento produzido pela ciência, como vimos no artigo "Misturando fé e ciência", é uma tentativa de se aproximar ao máximo da verdade através de um sistema que testa continuamente a validade de hipóteses à luz das evidências experimentais. No entanto, hoje convivemos com uma forma de ciência dogmática: o que os cientistas dizem é verdade inquestionável, que deve ser aceita pelos pobres mortais. Os cientistas são o clero, responsáveis por revelar a verdade dos tubos de ensaio e escrita no DNA.

Essa ciência distorcida não se fundamenta mais na noção de que a verdade é sempre transitória, construída paulatinamente e em constante processo de aperfeiçoamento, transformando-se em concorrente da fé. Ainda assim, a ciência pode ser útil para nos livrar de ciladas que a fé às vezes deixa pelo caminho.

Pela fé, a verdade é imutável e revelada, nunca construída. A fé não precisa de provas, demonstrações ou argumentos: cremos que Jesus é o filho de Deus sem precisarmos de um exame de DNA. No entanto, justamente por prescindir de provas materiais, a fé não aceita opiniões contrárias e torna-se perigosa quando utilizada de forma leviana. Às vezes, nossa fé nos leva a acreditar em coisas estapafúrdias, mesmo que baseada em premissas válidas. A catástrofe provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans é um bom exemplo disso.

A ciência diz que furacões são formados no oceano, em áreas com águas quentes e com ventos fracos. Ali, a água evaporada sobe até a atmosfera, formando os furacões, que são tempestades tropicais com ventos fortes. Todos os anos há furacões, que causam danos de maior ou menor intensidade, dependendo da sua força. Faz parte do clima do nosso planeta. No entanto, grupos cristãos estão considerando a destruição de Nova Orleans como castigo de Deus pelos pecados dos seus habitantes, condenados pelos seus atos da mesma forma que os moradores de Sodoma e Gomorra. Michael Marcavage, diretor da organização evangélica Repent America (Arrependa-se, América), dedicada a fazer protestos de repúdio em clínicas de aborto, em passeatas de homossexuais, em "estabelecimentos sexualmente perversos" e em outros tipos de "celebrações pecaminosas", sugere em uma nota à imprensa que o furacão foi um "ato de Deus" para destruir uma "cidade perversa". Segundo Marcavage, Nova Orleans era "uma cidade cujas portas estavam escancaradas para a celebração pública do pecado".

Sim, Nova Orleans é uma cidade sensual, com festas famosas como o Mardi Gras, uma versão de Carnaval sem escolas de samba. Nova Orleans também é uma das cidades mais importantes da parte mais pobre dos Estados Unidos, habitada principalmente por negros, muitos descendentes dos escravos que trabalhavam nas plantações de algodão ou descendentes dos crioulos vindos do Caribe, especialmente do Haiti, que ainda praticam o vodu. É a terra do jazz, cuja história está ligada à Storyville, o antigo distrito onde a prostituição foi legalizada até 1917 e o jogo funcionou por muito mais tempo, regados por muita bebida. Em resumo, Nova Orleans é o pior horror possível para o puritanismo. Ora, sabemos que o pecado gera conseqüências. Podemos citar Paulo: "o salário do pecado é a morte". A conclusão lógica, então, é que os pecadores de Nova Orleans devem ser punidos com a morte!

Embora a fé no juízo de Deus isolada do contexto bíblico "autorize" tal desfecho, a sugestão de que Nova Orleans foi destruída como castigo divino é obviamente grotesca. À morte, estamos condenados todos, porque todos nós somos pecadores. Talvez nosso pecado incomode menos os guardiões da santidade e da pureza de plantão, mas, certamente, somos tão maus como qualquer outro humano que andou pela terra, pelo simples fato de sermos todos humanos.

Quando nos valemos apenas dessa fé cega, que dispensa o conhecimento e sustenta-se somente naquilo se que crê sem nenhuma base racional ou lógica, damo-nos o poder de dizer por quais caminhos Deus anda e de definir os lugares em que Deus pode estar. Essa fé burra não se lembra da aliança do arco-íris, quando Deus prometeu nunca mais destruir a terra por causa da maldade dos homens. Essa fé burra transforma o Deus que é maior do que imaginamos no deus que é nossa marionete, pronto para se irar com os nossos inimigos e nos recompensar pela nossa santidade.

No entanto, quando a fé deixa de ignorar o que o homem aprendeu sobre as coisas desse mundo (no caso, que furacões não se formam para castigar os homens, mas sim porque são parte da meteorologia do planeta), ela pode finalmente apontar as causas da tragédia: negligência, arrogância de achar que somos maiores que as forças da natureza e falta de compaixão com os mais fracos e os mais pobres que foram abandonados para morrerem enquanto os ricos fugiam para lugares seguros.

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