Por Augustus Nicodemus Lopes
Acabo de ler a entrevista que Rob Bell
deu à revista VEJA desta semana (28/11/2012) com o título “Quem falou em
céu e inferno?”. A entrevista provocou intensa polêmica nas redes
sociais. Rob Bell se tornou uma figura polêmica quando passou a pregar a
salvação de todos os seres humanos no final (universalismo) negando,
assim, a realidade do inferno. Este ano ele deixou a igreja que fundou, a
Mars Hill Bible Church – não confundir com a Mars Hill Church do Mark
Driscoll, uma não tem nada a ver com a outra – para se dedicar ao
ministério itinerante percorrendo, segundo a revista VEJA, “o mesmo
circuito das bandas de rock”.
Inteligente, carismático, conectado e
bom comunicador, Rob Bell tem atraído muitos jovens evangélicos no
Brasil, especialmente após o lançamento de seu livro O Amor Vence no ano
passado e seus vídeos muito bem produzidos no YouTube.
Achei a entrevista dele extremamente
esclarecedora, mesmo considerando que estas entrevistas são editadas e
por vezes amputadas pelos editores e raramente publicadas na íntegra. Se
o que temos na VEJA é realmente o pensamento de Rob Bell, então declaro
aqui que poucas vezes na minha vida vi uma figura religiosa de
prestígio se contradizer tanto em um espaço tão curto. É por isto que
esta entrevista é esclarecedora. Qualquer evangélico de bom senso, que
tenha um mínimo de conhecimento bíblico e que saiba seguir um raciocínio
de maneira lógica irá se perguntar o que Rob Bell tem que atrai tanta
gente.
Vou começar reconhecendo o que não há de
tão ruim na entrevista. Bell se posiciona contra o aborto e reconhece
as limitações do darwinismo para explicar a totalidade da existência,
embora aceite que Deus poderia ter usado o processo evolutivo como o
método da vida.
Bell também está certo quando diz que
céu e inferno são “como dimensões da nossa existência aqui e agora”.
Concordo com ele. Os ímpios já experimentam aqui e agora, alguns mais e
outros menos, os sofrimentos iniciais do inferno que se avizinha. Da
mesma forma, os salvos pela fé em Cristo, pela graça, já experimentam o
céu aqui e agora, embora de forma limitada. Lembremos que Jesus disse
que quem crê nele já tem a vida eterna. O Espírito em nós é o penhor da
nossa herança e nos proporciona um gosto antecipado do que haverá de
vir.
Surpreendente para mim foi ver que nesta
entrevista Bell não nega o céu ou o inferno depois da morte, mas sim
que possamos saber com certeza que eles existem depois da morte. Nas
suas próprias palavras, “acredito que céu e inferno são realidades que
se estendem para a dimensão para a qual vamos ao morrer, mas aí já
entramos no campo da especulação”. A “bronca” dele é com a certeza e a
convicção que as igrejas e os evangélicos têm de que após a morte existe
céu e inferno. “Vamos pelo menos ser honestos. Ninguém sabe o que
acontece quando morremos. Não tem fotografia, não tem vídeo”. É claro
que, por este critério, também não podemos ter certeza se Deus existe ou
que Jesus existiu, pois não temos nem foto nem vídeo deles – que eu
saiba…
Nesta mesma linha, ao se referir ao fato
de que acredita que Deus ao final vai conquistar todos, diz “não sei se
isso vai acontecer, também não sei o que acontece quando morremos.”
Então, tá. Não sabemos o que acontece
depois da morte. Mas é aí que começam as contradições de Rob Bell. Ao
ser perguntado se Gandhi, que não era cristão, estaria no inferno, ele
responde “acredito que está com o Deus que tanto amou”. Isso só pode ser
o céu, certo? A resposta coerente e honesta com seu pressuposto seria
“não sei”.
Da mesma forma, quando a revista
pergunta sobre Hitler, se ele está no céu, Bell responde que Deus deu a
Hitler o que Hitler buscou a vida toda, “infernos para si e para os
outros”. E acrescenta “qualquer reconciliação ou perdão, nesse caso,
está além da minha compreensão”. Se esta resposta não quer dizer que
Hitler recebeu o inferno da parte de Deus depois da morte não sei o que
mais poderia representar. A resposta coerente e honesta deveria ter sido
esta: “não sei”, o que significa dizer que ele admite a possibilidade
de Hitler ter ido para o céu.
À certa altura o jornalista perspicaz
indaga acerca do livre arbítrio: “não existe escolha, então, ninguém
pode dizer não ao paraíso?” E Bell retruca, “acho que você pode dizer
não ao paraíso e neste caso talvez você fique em algum estado de
rejeição ou resistência. Talvez seja esse o estado que as pessoas chamam
de ‘inferno’”. Bom, parece por esta resposta que para Bell o inferno é
na verdade o céu, só que os condenados no céu viverão em estado
constante de rejeição e resistência a Deus. Mas, qual o céu disto e
neste ponto, em que difere do inferno? Vá entender… e é claro, de onde
ele tirou esta ideia? Se não temos na Bíblia informação suficiente para
saber se o céu e o inferno existem, muito menos para uma teoria destas.
Não é difícil identificarmos as origens
destas contradições tão óbvias no pensamento de Rob Bell. A primeira e
mais importante é que ele rejeita o ensino de Jesus Cristo nos
Evangelhos sobre o inferno e o céu. Se Jesus era a personificação do
Deus que é amor – e amor é, para Bell, o mais importante, senão o único,
atributo de Deus – este é um fato que não pode ser desprezado. Eis
alguns poucos exemplos:
· Mat 5:22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo.
· Mat 5:29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno.
· Mat 5:30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno.
· Mat 10:28 Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.
· Mat 11:23 Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.
· Mat 16:18 Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
· Mat 18:9 Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos do que, tendo dois, seres lançado no inferno de fogo.
· Mat 23:15 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!
· Mat 23:33 Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?
· Marcos 9:43 E, se tua mão te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível
· Marcos 9:45 E, se teu pé te faz tropeçar, corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres lançado no inferno
· Marcos 9:47 E, se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares no reino de Deus com um só dos teus olhos do que, tendo os dois seres lançado no inferno,
· Lucas 10:15 Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno.
· Lucas 12:5 Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer.
· Lucas 16:23 No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio.
· Mat 13:42 e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes.
· Mat 3:12 A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.
· Mat 25:41 Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna.
· João 15:6 Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.
· Mat 22:13 Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.
As referências de Jesus ao inferno, como
o castigo eterno dos ímpios, formam reconhecidamente um dos temas
dominantes do ensino dele, como pode ser claramente visto acima.
Contudo, Rob Bell afirma contra todas as evidências que Jesus falou
muito mais do sofrimento real que as pessoas têm aqui neste mundo. É
claro que o Senhor Jesus se preocupou com o sofrimento presente, mas
consistentemente, como pode ser visto nas passagens acima, ele nos avisa
que o sofrimento eterno é muito pior.
O que espanta é o uso seletivo que Rob
Bell faz das palavras de Jesus. Ele ignora por completo todas as
passagens cima em que Jesus fala do inferno mas se refere à fala dele
sobre os sofrimentos físicos. Bell fala várias vezes na mensagem de amor
pregada por Jesus. Mas, de onde ele tirou estas informações acerca da
pregação de Jesus? Só pode ter sido do Novo Testamento, o único
documento que a preservou. Mas, então, por que ele ignora uma das
maiores ênfases da pregação de Jesus, que foi o castigo eterno preparado
para os ímpios?
Se Rob Bell diz que não podemos ter
certeza de que o céu e o inferno existem, como ele pode ter certeza,
então, que Jesus pregou sobre o amor e o sofrimento das pessoas neste
mundo? Estas coisas todas estão no Novo Testamento. É evidente a
interpretação enviesada, preconceituosa e selecionada que ele faz,
conservando as passagens que lhe interessam e rejeitando as que o
contradizem.
Outra razão para as contradições de Rob
Bell é a sua base epistemológica. Ele declara: “nunca fiquei preocupado
com sistema doutrinário, nunca me empenhei em ter confirmação de meu
dogma.” Tudo bem. Mas, então, o que ela pensa sobre céu e inferno é o
que? Para mim, é sistema doutrinário e dogma. É teologia. Mas, onde ele
baseia suas ideias, enfim? A resposta é surpreendente: “tive alguns
encontros meus, profundos, com o amor de Deus que tiveram sobre mim,
digamos, um impacto pré-cognitivo.” Parece que ele teve algumas
experiências que serviram para orientar a sua teologia. Aqui o ensino
das Escrituras passou longe, como única regra de fé e prática. Bell é
mais um daqueles hereges que apela para suas experiências como fonte de
autoridade. Nada novo aqui.
E deve ser por isto que o conceito dele
sobre Deus é tão equivocado. Deus é amor, diz Bell. Por isto, a salvação
universal deve ser o ponto de partida. Para ele, é “incompreensível um
cristão que não considera a salvação universal como a melhor saída, a
melhor história”. O erro deste raciocínio, evidentemente, é não levar em
conta que Deus também é justo, verdadeiro, santo e reto. Não se pode
separar os atributos de Deus e não podemos considerá-lo a partir de um
destes atributos somente. O amor de Deus deve ser levado em conta
juntamente com a sua santidade e sua justiça. Portanto, um cristão
verdadeiro não considera o universalismo como a melhor saída ou o melhor
fim da história. O melhor fim da história é aquele escrito por Paulo:
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Rom 9:22-24).
A melhor saída é aquela onde Deus
expressa a plenitude do seu ser, o seu amor e a sua ira, nos que se
salvam e nos que se perdem, no céu e no inferno.
Por fim, Bell faz uma inferência
historicamente equivocada em suporte de seu argumento. Afirma ele que
“as pessoas mais interessadas em discutir o inferno depois da morte são
as menos interessadas em discutir o inferno sobre a terra”. Não há
dúvida de que entre os evangélicos que acreditam no céu e no inferno há
muitos que não se importam com as questões sociais, mas a afirmação de
Bell é uma generalização grosseira. Calvino, Lutero e os demais
reformadores criam no inferno e pregavam abertamente sobre ele. Contudo,
poucos fizeram tanto para diminuir o sofrimento da Europa de sua época,
abrindo escolas, hospitais, orfanatos, brigando contra leis injustas, o
monopólio de alimentos e a corrupção do Estado. Outros muitos exemplos
poderiam ser dados para contradizer esta falácia de Rob Bell.
Obrigado, revista VEJA, por ter exposto o pensamento de Rob Bell ao Brasil, as suas incoerências, sofismas e as origens de suas ideias estranhas. Como sempre acontece com as seitas, muitos os seguirão. Mas, como nos disse o apóstolo João:
Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos. (1Jo 2:19).
***
Augustus Nicodemus Lopes, no blog O Tempora! O Mores!.
Augustus Nicodemus Lopes, no blog O Tempora! O Mores!.
Leia a entrevista de Rob Bell à revista Veja aqui
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