Por joão calvino
Eu não oferecerei as suas libações de sangue, nem tomarei os seus nomes nos meus lábios (Sl. XVI, 4).
[...] E Davi expressamente enfatiza isto: ele não será coparticipante das oferendas [aos ídolos], e que seus nomes não lhe passarão pela boca. Ele poderia ter dito: “não vou me prejudicar com as devoções tolas dos descrentes, não vou confiar em tais abusos, não deixarei a verdade de Deus em troca de tais mentiras”, mas ele não fala assim. Em vez disso, ele diz que terá absolutamente nada a ver com tais cerimônias. Ele protesta, então, que permanecerá continuamente na pureza do corpo e da alma, no que tange ao culto a Deus. Em primeiro lugar, então, temos que ver se não é idolatria mostrar externamente alguma concordância com superstições, com as quais o culto a Deus é corrompido e pervertido. Aqueles que nadam (como se diz) entre duas correntes alegam que, visto que Deus é adorado em espírito, então não se pode adorar aos ídolos se não houver confiança neles. Mas a resposta é esta: que Deus não será adorado em espírito dessa maneira se a questão do corpo for negligenciada como se não lhe dissesse respeito. Pois, alhures, [Deus] já falou o bastante a esse respeito, do dobrar os joelhos diante dele, e do levantar das mãos aos céus. E daí, então? Ora, é verdade que o principal culto que ele demanda é espiritual. Mas a declaração aberta [N.T.: externa] que os fieis fazem, a saber, de que é ele, e somente ele, que eles servem e honram, é imediatamente derivada, e deve ser de vez acrescentada a isso. Mas [quanto à] objeção que eles [i.e., os que dizem internamente não idolatrar, embora externamente deem sinais contrários] fazem, aproveitando-se de uma palavra [N.T.: passagem da Escritura], basta uma [outra] passagem para os reprovar. Está escrito no segundo capítulo do profeta Daniel que Sidrach [Sadraque], Misach [Mesaque] e Abednego [Abede-nego], recusando a Nabucodonosor a [própria] aparência (mesmo que uma só vez) de consentimento na superstição que ele havia erigido, declaram inequivocadamente que não adorariam seus deuses.
Se esses sutis sofistas estivessem lá, eles teriam rido de escárnio da simplicidade daqueles três servos de DEUS. Pois eles teriam dito: “Pobres tolos, isso não é para adorar [os ídolos], pois vocês não fizeram qualquer aliança com eles, e não há idolatria a não ser quando há devoção”. Mas esses santos personagens seguiram um conselho melhor. E, de fato, esta resposta procedeu não de seu próprio cérebro, mas foi o Santo Espírito que dirigiu suas línguas. Se não quisermos resistir contra [o Espírito Santo], cabe a nós extrair desta passagem uma vera regra e definição: a saber, que acontece verdadeiramente um tipo de idolatria quando qualquer ato externo é feito que seja contrário ao verdadeiro culto a Deus, ainda que isso seja feito de apenas de aparência e com hipocrisia. Esses hipócritas cavilam alegremente: “não é idolatria, pois não cremos de fato [nos ídolos]”. Contudo, tais pessoas permanecerão continuamente condenados por esta sentença, que foi pronunciada pelo grande Juiz. E ainda tal tipo de gente resiste a uma palavrinha, querendo que apenas em parte isso diminua a sua falta, para a qual não podem inventar desculpa mesmo. Mui facilmente, elas admitirão que tudo isso é praticado, mas não gostariam que os outros vissem tal pecado como se fosse venial. [...]
João Calvino
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