A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço!

Martinho Lutero

16/02/2012

Ambrósio de Milão: Um gigante Cristão!





Por -  Dr.Justo Gonzales -



Deus ordenou que todas as coisas fossem produzidas, de modo que houvesse comida em comum para todos, e que a terra fosse a herança comum de todos. Por isso a natureza produziu um direito comum a todos; mas a avareza fez disso um direito de alguns poucos.







Entre os muitos gigantes cristãos que o século IV produziu, nenhum levou uma vida tão interessante como Ambrósio de Milão.


Sua eleição para o bispado

O ano era 373 quando a morte do bispo de Milão veio turbar a paz desta grande cidade. Auxêncio, o bispo falecido, tinha sido posto, neste cargo por um imperador ariano, que tinha enviado para o exílio o bispo anterior. Agora a sede estava vaga, e a eleição ameaçava transformar-se em um tumulto que poderia ser sangrento, pois tanto os arianos como os nicenos estavam decididos a fazer com que um dos seus fosse eleito.

Para evitar derramamento de sangue, Ambrósio, o governador da cidade, foi pessoalmente h igreja onde seria realizada a eleição. Seu governo justo e eficiente lhe tinha conquistado as simpatias do povo. Natural de Tr6veris, Ambrósio era filho de um alto funcionário do Império, e por isto esperava que sua carreira política o levasse a posições cada vez mais elevadas. Mas para que sua carreira não fosse arruinada era necessário evitar uma desordem violenta na eleição do novo bispo de Milão.

Com isso em mente Ambrósio foi à igreja, pediu a palavra e começou a exortar o povo com a eloqüência que mais tarde o faria famoso. À medida que Ambrósio falava a multidão se acalmava, dando a impressão de que os esforços do governador teriam bom êxito.

De repente um menino gritou: “Ambrósio bispo!”. Inesperadamente o povo também começou a gritar: “Ambrósio bispo! Ambrósio bispo! Ambrósio! Ambrósio! Ambrósio!”.

Para Ambrósio este grito da multidão podia significar o fim de sua carreira política. Por isso ele abriu passagem entre o povo, foi até o pretório e condenou diversos presos à tortura, na esperança de perder sua popularidade. O populacho, porém, o seguia e não se deixava convencer. Então o jovem governador mandou trazer para sua casa mulheres de má fama, para assim destruir a opinião que o público tinha dele. Mas o povo continuava na frente de sua casa, e continuava gritando que queria que Ambrósio fosse seu bispo. Duas vezes; ele tentou fugir da cidade ou se esconder, mas seus esforços fracassaram. Por fim, rendendo-se à insistência do povo e à ordem imperial, ele concordou com ser bispo de Milão.

Ambrósio, todavia, nem sequer tinha sido batizado, pois nesta época muitas pessoas - especialmente as que ocupavam cargos públicos elevados - demoravam seu batismo até o final dos seus dias. Por isso foi necessário começar batizando-o. Depois, no transcurso de uma semana, ele foi feito sucessivamente leitor, exorcista, acólito, subdiácono, diácono e presbítero, até que foi consagrado bispo oito dias depois, no dia primeiro de dezembro de 373.


O pastor de Milão

Ambrósio não quis ser bispo, mas a partir do momento em que aceitou o cargo ele se dedicou a cumprir cabalmente suas funções. Para ajudá-lo no trabalho administrativo da igreja ele chamou para junto de si seu irmão Urânio Sátiro, que era governador de outra província. Fez vir também o presbítero Simpliciano, que anos antes lhe tinha ensinado os rudimentos da fé cristã, para que fosse seu mestre de teologia. Sendo um homem culto, e dedicando-se com assiduidade ao estudo, Ambrósio em pouco tempo veio a ser um dos melhores teólogos da igreja ocidental. Urânio Sátiro morreu pouco depois em conseqüência de um naufrágio, mas no tempo que passou com Ambrósio ele ajudou o novo bispo a pôr seus assuntos em ordem, e a tomar nas mãos as rédeas da igreja que lhe coube dirigir.

Pouco depois da morte de seu irmão, os acontecimentos deram a Ambrósio ocasião de mostrar a maneira em que entendia suas responsabilidades pastorais. Um forte contingente godo atravessou as fronteiras do Danúbio com a permissão das autoridades imperiais, mas logo se rebelou e cometeu muitos atos de violência nas regiões a leste de Milão. Em resultado a isto chegaram muitos refugiados à cidade, e muitos cativos permaneceram presos à espera de resgate. Diante desta situação, Ambrósio mandou fundir e vender uma parte dos tesouros da igreja, para ajudar os refugiados e pagar o resgate dos cativos. Imediatamente os arianos o acusaram de ter cometido um sacrilégio. Ambrósio retrucou:

É muito melhor guardar almas para o Senhor, do que ouro. Porque quem enviou os apóstolos sem ouro, sem ouro reuniu também as igrejas. A igreja não tem ouro para armazená-lo, mas para entregá-lo, para gastá-lo em favor dos que têm necessidades. Melhor é conservar os vasos vivos que os de ouro.

Da mesma forma Ambrósio lhes disse, ao escrever sobre os deveres dos pastores, que a verdadeira força consiste em apoiar os débeis contra os poderosos, e que eles devem convidar para suas festas e banquetes não os ricos que podem recompensá-los, mas os pobres, que têm maior necessidade e que não podem lhes oferecer nenhuma recompensa.

Ambrósio teve outra oportunidade de pôr esses princípios em prática, quando pouco depois da morte de Valente, o novo imperador Graciano condenou um nobre pagão injustamente à morte. O homem em questão não fazia parte da grei de Ambrósio, mas o bispo cria que seus deveres se estendiam além dos membros da sua igreja. Graciano, que provavelmente suspeitava o que Ambrósio queria dele, se negava a lhe conceder audiência. Finalmente Ambrósio conseguiu entrar às escondidas no lugar onde o imperador estava dando uma exibição de caça, e ali insistiu com ele para que perdoasse a vida do réu. A princípio, o imperador e seu séquito se indignaram contra quem interrompia suas diversões, mas mais tarde, vencido pela coragem do bispo e pela justiça do seu pedido, Graciano perdoou ao condenado, e agradeceu a Ambrósio por tê-lo obrigado a fazer justiça.

Ambrósio, porém, nunca ficou sabendo do seu triunfo mais importante. Entre seus ouvintes na catedral de Milão estava um jovem intelectual que tinha seguido uma longa peregrinação espiritual. Agora os sermões de Ambrósio foram um dos instrumentos que Deus usou para sua conversão. Aquele jovem se chamava Agostinho, e mesmo tendo sido Ambrósio quem o batizou, o bispo de Milão não parece ter notado os dotes excepcionais do seu novo convertido, que depois viria a ser o mais famoso de todos os "gigantes" da sua época.


O bispo contra a coroa

O trabalho pastoral de Ambrósio não se limitou à pregação, à administração dos sacramentos, à direção dos assuntos econômicos da igreja, etc. Como se tratava de um verdadeiro gigante, radicado em uma das principais cidades do Império, e como também se tratava de um homem de princípios firmes e convicções profundas, era inevitável que a longo prazo ele entraria em choque com as autoridades civis.

Os conflitos mais importantes de Ambrósio com a coroa foram os que o colocaram frente a frente com a imperatriz Justina. No Ocidente governava, além do Graciano, seu meio-irmão Valentiniano. Este era menor de idade, e por esta razão a regência recaíra sobre Graciano. Mas na ausência de Graciano a mãe de Valentiniano, Justina, tinha muito poder, e ela tinha a firme intenção de usar esse, poder para afirmar seu filho sobre o trono e para promover a causa ariana, da qual ela era partidária convicta. Contra seus planos se levantava Ambrósio, cuja política consistia em preencher cada sede das proximidades que ficava vaga com um bispo ortodoxo.

Por outro lado Justina devia grandes favores a Ambrósio, pois quando houve uma rebelião nas Gálias e o usurpador Máximo derrotou e matou Graciano, estando o trono de Valentiniano a ponto de lhe ser tirado, Ambrósio foi como embaixador até o usurpador e o convenceu a não invadir os territórios; de Valentiniano.

Apesar dessas dívidas de gratidão Justina estava decidida a obrigar Ambrósio a lhe ceder uma basílica para que em Milão pudesse ser celebrado o culto ariano. Ambrósio se negava a fazê-lo, e seguiu-se uma série de confrontos memoráveis. Em uma ocasião, quando Ambrósio e sua congregação estavam sitiados na basílica pelas tropas imperiais, Ambrósio venceu a resistência dos sitiantes dirigindo os fiéis em cânticos de entusiasmo e esperança. Pois Ambrósio se tornou famoso também pelos hinos que introduziu no culto cristão, que foram uma das principais armas contra seus inimigos. Em outra ocasião, quando lhe foi ordenado que entregasse os vasos sagrados, Ambrósio respondeu:

Não posso tirar nada do templo de Deus, nem posso entregar o que recebi para guardar, e não para entregar. Agindo assim estou fazendo um bem ao imperador, pois não convém que eu os entregue, nem que ele os receba.

Em meio a essas constantes contendas com a imperatriz, Ambrósio mandou escavar sob uma das igrejas da cidade, e foram descobertos dois esqueletos decapitados. Alguém se lembrou que quando era criança tinha ouvido falar dos mártires Gerv6sio e Prot6sio, - e imediatamente os restos foram batizados com estes nomes. Em breve se espalharam rumores de milagres que aconteciam por causa das “relíquias sagradas”, e o povo se uniu cada vez mais em defesa de seu bispo.

Por fim a hostilidade de Justina para com Ambrósio lhe custou o trono e a vida de seu filho, pois com uma longa série de maquinações que visavam o bispo, Justina somente conseguiu que o usurpador Máximo atravessasse os Alpes; e invadisse seus territórios. Teodósio, o imperador do Oriente, acudiu em defesa do menino Valentiniano e derrotou Máximo. Mas quando Teodósio regressou aos seus territórios ele deixou Valentiniano sob os cuidados do conde Arbogasto, que primeiro o oprimiu e por fim o mandou matar. Assim Teodósio acabou se tornando o único dono do Império.

Teodósio era ortodoxo - inclusive foi ele quem convocou o concílio de Constantinopla, que marcou o triunfo final da fé nicena. Mas apesar disso, sob seu governo Ambrósio voltou a entrar em choque com a autoridade imperial.

Houve dois conflitos maiores entre o bispo e o imperador. Em ambos Ambrósio saiu vencedor, se bem que podemos dizer com toda a justiça que no primeiro caso era Teodósio quem estava com a razão, e a vitória de Ambrósio trouxe conseqüências graves.

O primeiro conflito surgiu quando um grupo de cristãos fanáticos queimou uma sinagoga judia no pequeno povoado de Calínico. O imperador ordenou que os culpados fossem castigados, e que, além disso, reconstruíssem a sinagoga destruída.

Contra isso Ambrósio dizia que era algo ímpio por parte de um imperador cristão obrigar outros cristãos a construir uma sinagoga judaica. Depois de diversos encontros o imperador cedeu, os judeus ficaram sem sinagoga, e os incendiários ficaram impunes.

Isso estabeleceu um triste precedente, pois mostrava que em um império que se chamava de cristão os que não o eram não podiam contar com a proteção da lei.

O outro conflito deveu-se a uma causa muito mais justa. Em Tessalônica houvera um levante popular, e o povo sublevado matara o comandante da cidade. Ambrósio, que conhecia o caráter irascível do imperador, foi vê-lo e o aconselhou a agir com moderação. Mas assim que o bispo tinha partido, os cortesãos aconselharam Teodósio a tomar fortes medidas de represália contra os habitantes de Tessalônica. Maliciosamente Teodósio fez correr a notícia de que a cidade estava perdoada. Mas quando a maior parte da população se encontrava no circo celebrando o perdão imperial as tropas cercaram o local e, por ordem de Teodósio, mataram sete mil pessoas.

Quando ficou sabendo do que acontecera, Ambrósio resolveu exigir de Teodósio um arrependimento público. Quando algum tempo depois Teodósio veio para um culto, o bispo O enfrentou na porta e, impedindo-lhe a entrada com o braço esticado, disse ao imperador:

Detém-te! Um homem como tu, manchado de pecado, com as mãos banhadas em sangue de injustiça, é indigno, até que te arrependas, de entrar neste recinto sagrado, e de participar da ceia.

Diante dessa atitude do bispo, vários cortesãos quiseram usar de violência contra ele. Mas o imperador reconheceu a justiça do que Ambrósio lhe dizia, e deu mostras públicas de seu arrependimento. Como sinal, e como uma confissão de seu caráter irascível, Teodósio ordenou que qualquer pena de morte seria efetivada somente trinta dias depois de ordenada.

A partir de então as relações entre Teodósio e o bispo de Milão foram cada vez mais cordiais. Quando por fim o imperador viu a morte se aproximar chamou para seu lado o bispo que tinha se atrevido a censurá-lo publicamente.

Nessa época a fama de Ambrósio já era tão grande que Fritigalda, a rainha dos bárbaros marcomanos, pediu que lhe escrevesse um manual de instruções sobre a fé cristã. Depois de ler o que Ambrósio lhe enviara Fritigalda decidiu visitá-lo. Mas quando estava a caminho de Milão recebeu a notícia de que o famoso bispo tinha morrido. Era o dia 4 de abril de 397, domingo da ressurreição.


Fonte: Justo L. Gonzáles, Uma história ilustrada do cristianismo; a era dos gigantes . v. 2 (São Paulo: Vida Nova, 1991), pp. 139-146.


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